A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que aborda a possível privatização de terrenos à beira-mar tem desencadeado um intenso debate no cenário político e ambiental brasileiro. Enquanto alguns defendem a PEC das Praias como uma oportunidade para impulsionar o desenvolvimento econômico e a regularização fundiária, outros expressam preocupações sobre os impactos ambientais, sociais e econômicos que a iniciativa pode desencadear. Entenda abaixo o que está em discussão sobre o assunto no Senado Federal.
O texto em questão, debatido durante uma audiência pública no Senado, ainda se encontra em fase inicial de análise, distante de ser submetido às comissões e ao plenário. Após a repercussão desfavorável do debate, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sugeriu que a matéria não figura entre as prioridades para votação.
Como funciona atualmente?
As áreas à beira-mar de que trata a PEC são chamadas de terrenos de marinha, uma camada mais atrás da praia, onde, geralmente, ficam hotéis e bares. Elas correspondem a uma faixa que começa 33 metros depois do ponto mais alto que a maré atinge. Isso significa que esses terrenos não abrangem a praia e o mar, região geralmente frequentada pelos banhistas. Essa parte continuaria pública.
Os terrenos de marinha são uma faixa de terra contada a partir do ponto mais alto da marés- delimitada ainda no Brasil Colônia, em 1831. Rios e lagos que sofrem influência das marés são também considerados.
Os lotes correspondem a 48 mil km em linha reta e representam 70% de todas as áreas em nome do governo federal.
Conforme a legislação atual, a União, dona dos terrenos de marinha, pode permitir que pessoas e empresas usem e até transmitam as terras aos seus herdeiros. Mas, para isso, esses empreendimentos têm que pagar impostos específicos.
Como ficaria com a PEC das Praias?
- O texto sobre a PEC das Praias discutido no Senado prevê a autorização para a venda dos terrenos de marinha a empresas e pessoas que já estejam ocupando a área.
- Pelo projeto, os lotes deixariam de ser compartilhados, entre o governo e quem os ocupa, e teriam apenas um dono, como um hotel ou resort.
- Conforme o texto, só permaneceriam com o governo áreas ainda não ocupadas e locais onde são prestados serviços públicos, como portos e aeroportos, por exemplo.
Na prática, é privatização?
O projeto da PEC das Praias abre brecha para privatização de acesso às praias, mas não a praia em si, tendo em vista que a parte frequentada pelos banhistas continuaria com a União.
A proposta não prevê a privatização direta das praias, mas dá margem para que uma empresa cerque o terreno e impeça a passagem de banhistas na faixa de areia, como já é visto hoje em alguns resorts.
O relator da proposta no Senado, Flávio Bolsonaro (PL-RJ), diz que o texto vai permitir a transferência de 8,3 mil casas para moradores do Complexo da Maré e para quilombolas da Restinga de Marambaia – ilha também localizada no estado do Rio.
O senador pontuou ainda que haverá um aumento da arrecadação de impostos pelo governo e da geração de empregos nas regiões.
“Olhem só o mundo de arrecadação que tem para a União. Nas utilizações dos imóveis, tem aqui os valores discriminados. Pessoa física: R$ 42 bilhões; pessoa jurídica: R$ 67 bilhões; setor hoteleiro: R$1,7 bilhão; ramo imobiliário: quase R$24 bilhões. Imaginem, se houvesse a cessão onerosa dessas propriedades, o quanto que a União não arrecadaria com isso, muito mais”, afirmou o parlamentar na audiência pública.
O que diz quem é contra?
Quem é contra, a exemplo do Painel Mar, plataforma que reúne sociedade civil e entidades governamentais, argumenta não fazer sentido vender lotes que podem “deixar de existir no futuro” por causa do aumento do nível do mar. Dados da Universidade de São Paulo (USP) mostram que a elevação é de cerca de 4 milímetros por ano.
Além disso, segundo o grupo de estudos, a proteção dos mangues e restingas ajuda a enfrentar as mudanças climáticas, pois essas áreas funcionam como uma barreira natural, que ameniza a gravidade de situações como a vivida no Rio Grande do Sul, assolado pelas enchentes.
Se essas áreas, responsáveis pela absorção de carbono, forem vendidas empreendimentos privados, a tendência é aumentar a degradação ambiental. E isso, de acordo com a plataforma, vai fragilizar ainda mais comunidades tradicionais que dependem do ecossistema marinho para sobreviver — populações caiçaras, quilombolas, ribeirinhas e povos indígenas.
Estudo do MMA, de 2018, revela que há “avançado processo erosivo em 40% da costa brasileira”. De acordo com o Painel Mar, a erosão será intensificada, causando o chamado “estreitamento da costa” “até o colapso do turismo com a supressão das praias”.
O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) sustenta que “a gestão tradicional promovida pelas comunidades indígenas, fundamentada em conhecimento sócio-tecno-ecológico profundo, resulta em práticas de conservação sustentável que impedem a degradação ambiental, a extinção de espécies e contribuem com a desaceleração das mudanças climáticas”.
Terrenos à beira-mar
O Ministério da Gestão e Inovação (MGI) informou que há 564 mil imóveis registrados em terreno de marinha. O governo arrecadou, em 2023, R$ 1,1 bilhão com as taxas de foro e de ocupação.
A pasta estima que o valor poderia ser cinco vezes maior, com um total de quase 3 milhões de construções nas áreas próximas ao mar, mas que não foram oficializadas.20% dos valores apurados são repassados para os municípios.
A Secretaria do Patrimônio da União (SPU) é responsável por gerir os terrenos. O órgão promove a regularização fundiária urbana de assentamentos irregulares.