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Psicanalista diz que mundo de tsunami digital requer nova educação

Tantas transformações fazem com que cidadãos se sintam perdidos, diz médico da USP

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Foto: Agência Brasil

A revolução tecnológica é um tsunami que tornou o nosso mundo tão novo, que poderia ser chamado de “Terra Dois”. O “Terra Um”, que conhecíamos, não existe mais. Esse é o conceito do médico psiquiatra e psicanalista brasileiro Jorge Forbes, pesquisador da pós-modernidade e diretor da Clínica de Psicanálise do Centro do Genoma Humano da USP.

Ele diz que tantas transformações fizeram com que os cidadãos se sintam “desbussolados” e perdidos. “Nós não estaremos perdidos se começarmos ‘ontem’ um projeto de educação para evitar os analfabetos digitais que estamos criando”. Para Forbes, o analfabetismo digital vai provocar diferenças entre grupos maiores do que entre classes sociais.

O pesquisador conquistou, há dez anos, o Prêmio Jabuti pelo livro Inconsciente e Responsabilidade – Psicanálise do Século XXI e lançou, no mês passado, o título Pílulas da Psicanálise – Aforismos e Sentenças de Jorge Forbes. Para ele, as profissões passarão por transformações, mas características singulares fazem com que pessoas não sejam substituíveis por máquinas.

A entrevista  

A revolução tecnológica é um tsunami. O senhor pode explicar a expressão “Terra Dois”? 

Jorge Forbes – O tsunami tecnológico é um colossal avanço neste momento, como a nanotecnologia, a biotecnologia e a informática que estão fazendo uma revolução na forma de vivermos. Um avanço que faz com que a gente se sinta desbussolado, sem caminho. As pessoas não se entendem mais na vida. Nós não nascemos da mesma maneira. Nem educamos, nem namoramos, nem trabalhamos, nem aposentamos. Nem morremos da maneira que a gente fazia até há pouco tempo.

Eu acredito que nós estamos vivendo um tsunami dessa mudança do lado social, da maneira humana de ser. Diferentemente dos animais, nós humanos variamos com o nosso ambiente. Uma abelha não varia, uma vaca não varia, um cavalo não varia. São sempre iguais independentemente de onde estiverem. Nós, não. A gente produz diferentemente.

São pequenas mudanças que ocorrem na nossa vida o tempo inteiro. Mas uma mudança maciça como essa, que a gente está vivendo, ocorre de séculos em séculos. Durante 28 séculos, nós tínhamos uma maneira de comportamento que era linear, vertical, hierárquica, padronizada e, de repente, a gente passou para um mundo horizontal, múltiplo, criativo, variável. Essa mudança de valor é tão imensa que justificou, ao meu ver, eu chamar de “Terra Dois”.

Como assim, Terra Dois? 

A gente fez um planeta chamado Terra. Terra Um. Nós estamos em outro planeta que nos confunde porque geograficamente é igual ao anterior, mas que nós habitamos de maneira completamente distinta. Só que essa maneira ainda não dominamos. A gente não entende ainda. Então estamos todos em busca de novas chaves de leitura de um mundo, a meu ver, até muito mais interessante do que o anterior, por ser muito mais criativo e mais variado. Por outro lado, essas mudanças tecnológicas repercutem nos campos profissionais.

De que forma devemos estar preparados para o tsunami? 

As pessoas se sentem profundamente inseguras e angustiadas com essa época atual. Falamos de tsunami de forma negativa porque, no primeiro momento, nos amedronta. É até a gente transformar o tsunami que pode nos afogar em uma onda em que possamos surfar.

É necessário trazer esclarecimento, trazer passaporte para o lado de cima da onda que faça com que a gente surfe em vez de se afogar.

É preciso mais preparo e criatividade? 

Nós temos atividades na nossa vida que podem ser singulares ou genéricas. As singulares são aquelas que só a gente pode fazer. Pelo talento, pelo gosto, pelo desejo, pela oportunidade, pelo momento. Várias razões fazem com que sejamos insubstituíveis. Agora, quem substitui um datilógrafo é outro datilógrafo. Quem substitui um motorista é outro motorista.

Há atividades singulares que não são genéricas. A inteligência artificial e toda a tecnologia que estão nos ‘tsunamizando’ (para criar uma palavra) podem fazer melhor que o humano aquilo que for genérico.

Vai dirigir, por exemplo melhor do que nós. Por quê? Porque em vez de você ter um caminhoneiro, você vai ter uma máquina que não vai fazer certas atitudes por demais humanas.

Na minha área, que é a medicina, por exemplo, eu sou psiquiatra, mas meus colegas radiologistas que se dedicam a ler Raio X podem ser facilmente ultrapassados pela inteligência artificial.

Estamos perdidos?  

Não. Nós não estamos perdidos se começarmos ‘ontem’ um projeto de educação para evitar os analfabetos digitais que nós estamos criando.

Na medida que se perde o trabalho genérico, a pessoa tem que ser educada para uma nova realidade e para o novo mundo. Isso está sendo feito? Não. Isso não está sendo feito.

Estamos pensando ainda muito distante de um novo mundo que é tecnológico e não responde mais às ferramentas do mundo anterior.

O senhor entende que a chave dessa mudança é pela educação que forme cidadãos mais criativos e mais humanos? 

Sim. Ao não darmos atenção à revolução digital, estamos criando analfabetos digitais. A distância entre os alfabetizados digitais e os analfabetos digitais está prevista como sendo muito maior do que entre, por exemplo, a classe A e a classe D ou E de um país.

Se não dermos atenção à tecnologia, haverá problemas sociais piores do que os problemas econômicos atuais. Porque uma parte importantíssima da população simplesmente vai ser posta ao relento, vai ser posta em situação de inutilidade total.

Mas como fazer para que isso não ocorra? 

Para que isso não ocorra, temos que avançar muito rapidamente com os processos educacionais para diminuir o analfabetismo digital que se anuncia.

Com Agência Brasil

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